Estava dirigindo por uma avenida movimentada do Rio de janeiro, atento ao carro a minha frente para não o perder de vista. Um suor escorria pela minha testa. Olhei para o relógio no painel do carro e eram só oito horas da manhã. Acelerei quando percebi que o carro a frente estabeleceu uma distância grande. Dentro daquele carro está Gonsalo Fagundes, meu pai.
Na noite anterior vi minha mãe chegar da igreja com um semblante pesado. Coisa do destino talvez, eu estava em casa naquele dia, o que era bem raro, já que eu vivia perambulando pelas ruas do Rio, gastando a fortuna do meu pai. Segui até o quarto e com a porta entreaberta, observei minha mãe tirar um envelope de uma das gavetas, abri-lo e tirar de lá, o que eu presumi ser uma carta. Uma lágrima desceu pelo rosto dela, como se estivesse lendo aquilo pela primeira vez. Fechou os olhos, enfiou o papel de volta no envelope e guardou na terceira gaveta da cômoda. Se levantou e caminhou em direção ao banheiro. Eu fiquei parado, pensando no quão grave teria escrito naquele papel para deixar Olívia tão angustiada. A meia luz, com a janela ainda aberta eu ouvi o som do chuveiro ligando e decidi não falar com ela naquela noite. Mas eu precisava ler o que havia naquela carta. Sabia também que não deveria invadir a privacidade de Olivia, mas minha curiosidade ultrapassou o bom senso e quando eu me questionei quem escreveria uma carta, em tempos de redes sociais, me dei conta que o tempo passava. Apressadamente, sem pensar muito, peguei o envelope enfiado no fundo da gaveta e abri. Meu coração pulou mil batidas ao ler o primeiro parágrafo. Contrariei pela informação contida. Me enchi de revolta. Lamentei por aquilo. O barulho que vinha do banheiro cessou. Com as mãos trêmulas, eu coloquei o envelope exatamente onde havia encontrado e sai do quarto sem que Olivia pudesse perceber que estava ali. As horas que se passaram depois disso, foram longas e pensativas. Eu descobri o que todos naquela casa já desconfiavam: Gonsalo estava traindo minha mãe.
Na manhã seguinte eu acordei bem cedo e esperei o Gonsalo sair em direção a empresa. Agora estou aqui, perseguindo-o pelas ruas de Belo Horizonte para encontrar qualquer prova sobre a sua traição. Percebi, quando atravessamos a avenida principal, que ele estava indo em outra direção, para a zona suburbana da cidade. Eu conhecia bem aquele lugar porque já havia ido várias vezes ali, encontrar mulheres para uma noite de diversão. Ele estacionou o carro em frente a um prédio. Desceu, ajeitou o paletó, olhou para os lados, certificando que não estava sendo observado e entrou no lugar. Imediatamente eu desci do carro. Eu vestia um casaco preto com capuz. Não fazia tanto frio assim em BH. Enfiei minhas mãos nos bolsos e caminhei em direção ao mesmo local. O lugar era velho, havia rachaduras e marcas de sujeiras nas paredes. Havia um homem que fumava um charuto, na entrada. Já era velho ou talvez sua pele estivesse desgastada com o tempo.
— Olá, bom dia – eu disse, mas o velho não me olhou - o senhor viu um homem de paletó entrando aqui?
Ele deu mais uma tragada no charuto, em silêncio.
— Poderia me informar para qual apartamento ele foi?
— Segundo andar, número 13.
Se calou e pela expressão em seu rosto o velho estava para poucos amigos.
Subi as escadas correndo e fui andando pelo corredor. O lugar fedia, parecia até um prostíbulo com mulheres seminuas entrando e saindo dos quartos. Um homem bêbado passou por mim cambaleando e eu fiquei me questionando o que o Gonsalo, o quinto homem mais rico deste país estaria fazendo em um lugar igual aquele. Caminhei até o quarto treze e a porta estava semiaberta. Quanto descuidado, rico, empresario e burro. Esse não era o feitio do meu pai. Sair por aí deixando pistas. Empurrei a porta devagar. Aparentemente o local estava limpo e o cheiro ali dentro era mais agradável do que de todo o restante do prédio. Caminhei pela sala e ouvi um barulho vindo dos fundos do local. Era um ambiente pequeno, também tinha as paredes sujas. Observei e percebi que o paletó dele estava jogado sobre o sofá. Caminhei cautelosamente em direção ao barulho e quase caí para trás quando vi ele beijando outra mulher. Eu demorei para absorver o acontecimento. A mulher tinha os cabelos loiros batendo na cintura. Vestia um vestido vermelho e parecia bem à vontade nos braços do meu pai. Eu apanhei o celular do bolso do casaco e o direcionei ao dois para tirar uma foto. Eles estavam tão envolvidos que nem ao menos perceberam a minha presença. Mas o flash, ligado da câmera do celular, me acusou e o olhar de ambos foi direcionado a mim.
— Luke? – Sua boca estava vermelha, os olhos arregalados – o que você faz aqui?
Eu engoli a seco, antes de responder. Olhei bem nos olhos dele, pensando em fugir. Eu já tinha as provas, mas minhas pernas simplesmente travaram.
— Estou coletando provas – enfiei o celular no bolso – Agora todos saberão quem é Gonçalo Fagundes.
Sua expressão mudou de surpresa para raiva em questão de segundos. Ele caminhou apressado em minha direção e segurou pelo meu braço me levando para fora do quarto.
— O que você pensa que está fazendo? – Paramos no corredor. Seu rosto estava próximo demais do meu – como me encontrou aqui?
— Eu te seguir – confessei, desafiando-o. Eu amava desafiar o meu pai – deveria saber que a puta a qual você traia a minha mãe, enviou uma carta para ela contando tudo.
Ele soltou o meu braço e agora sua expressão era de medo.
— Me dá o seu celular – ordenou ele.
— Nem fodendo – respondi, enquanto segurava com força o aparelho dentro do bolso.
— Não me faça perder a paciência com você, Luke – se aproximou ainda mais, falava com os dentes cerrados.
— Ou o que? – Dei um passo para trás – vai cortar a minha mesada?
Ele riu, um sorriso largo e zombador.
— Não me subestime – estendeu a mão esperando que eu entregasse o celular para ele – vai fazer o que com isso? Mostrar para sua mãe.
— Ela já sabe – continuei irredutível – vou mostrar para quem ainda não viu.
Apressadamente ele caminhou em minha direção me pressionando contra a parede. Ele era mais forte do que eu, mas eu lutaria com ele caso fosse preciso para vencer aquela briga. Ele tentou tomar o celular de mim, e em reação eu soquei o rosto dele. Imediatamente me arrependi do que fiz e antes de consertar o erro, levei outro soco como resposta. Quando percebi estava brigando com o meu próprio pai. A mulher de vestido vermelho tentou separar a nossa briga e em um gesto só ele a empurrou contra a parede. Ele não respeitava a minha mãe, respeitaria outras mulheres? O celular caiu do meu bolso e o Gonsalo o pegou.
— Você vai pagar caro pelo que aconteceu hoje, moleque prepotente.
— Eu não tenho medo de você – disse, enquanto limpava o meu rosto do sangue que escorria pelo meu nariz.
— Ótimo – disse me olhando bem nos olhos – pois a partir de hoje terá.
Voltou a segurar no meu braço, mas eu não tentei fugir. Antes de sair me arrastando pelo corredor, ele se virou para a mulher a nossa frente e perguntou:
— É verdade o que ele disse?
Ela demorou a responder, parecia perdida, procurando uma mentira qualquer para poder se safar.
— É verdade – abaixou a cabeça, confessando em um sussurro.
— Eu resolvo as contas com você, depois.
Olhou para ela pela última vez e saímos de volta para fora. Ele me fez entrar em seu carro e saiu dirigindo apressado em silêncio pelas ruas de Belo Horizonte. Paramos em um aeroporto para aviões de pequeno porte e eu ainda não entendia por que o Gonsalo havia me levado até ali.
— Por que me trouxe até aqui? – Ele saiu do carro sem me responder. Abriu a porta do passageiro e voltou a segurar o meu braço.
— Você vai viajar – disse enquanto caminhávamos em direção ao avião particular que ele tinha.
Tentei me soltar quando percebi o que ele queria fazer comigo.
— É mais fácil se livrar dos problemas, não é papai – eu sorri de desespero, mas não deixei meu medo transparecer – vamos para onde?
— Não vamos – paramos perto do avião – você vai e com passagem só de ida.
— É o que? – Meus olhos lacrimejaram.
— Você não quer dar uma de esperto? – Disse – acha que pode viver o resto da vida desfrutando do suor do meu trabalho e depois me apunhalar pelas costas? Agora eu vou te ensinar a ser homem de verdade.
— Quer me ensinar algo que você não aprendeu?
Ele travou o maxilar e eu não gostei do que vi em seus olhos.
— Vai morar em Brasília com a sua tia pobretona – sua ira estava transbordando – e vou avisar a ela para pegar bem pesado com você.
— Você não pode fazer isso – meus olhos estavam arregalados, o medo, agora, transparência – o que vai dizer para minha mãe, para a Natália quando perguntarem por mim?
— A verdade – fez um gesto com a mão, chamando o piloto.
— Vai contar também sobre a sua traição?
— Como você mesmo disse, ela já sabe – não havia empatia nem remorso nele ao dizer isso. Eu o odiei por fazer aquilo com a minha mãe – ficará sem dinheiro, sem cartão de crédito e vai ficar lá até eu decidir.
Eu não sabia o que dizer. Na minha mente, deveria acontecer o contrário, mas eu caí na minha própria armadilha.
Gonsalo começou a me empurrar para dentro do avião. Eu podia socar ele de novo e sair correndo dali, mas não adiantaria, eu conhecia tão bem o meu pai que além dele me procurar até os confins da terra, ele cumpriria sua promessa em me deixar na sarjeta.
— Não ouse entrar em contato com a sua mãe nem com a sua irmã – já sentado na poltrona ele colocou o cinto em mim – vai ficar lá comendo o pão que o diabo amassou para aprender a nunca mais me confrontar.
— Isso não vai ficar assim, papai.
Mas ele não respondeu. Saiu do avião, fechando a porta e me deixou sozinho com os meus medos, meu ódio e minhas incertezas. Gonsalo era poderoso demais, e mesmo eu sendo o filho dele, não teria forças para lutar contra isso.
Tentei achar uma saída para a confusão em que eu acabara de me meter, mas já era tarde demais. O avião decolou em direção a Brasília. E eu estava indo sem bagagem, sem esperança e sozinho.