Melodia
Eu completei dezoito anos sozinha em um quarto escuro, gemendo de dor que acometia todo o meu corpo.
Eu tinha desagradado meu pai novamente e sua punição tinha sido brutal.
Sempre era.
Quando mamãe ainda estava viva, não havia sido tão ruim. Pai e eu não tínhamos muita interação. Ele mantinha distância e a mamãe me aconselhava a deixa-lo em paz. Eu me lembro de sentir ciúmes de vê-lo brincar com meus dois irmãos mais velhos, e sempre me perguntei por que ele parecia me rejeitar mais dia após dia.
Seis anos atrás, uma doença se espalhou pelas comunidades de metamorfos em todo o mundo. Ela atacava indistintamente - jovens e velhos, alfa e ômega, homens e mulheres. Quase um ano se passou antes que nossos médicos desenvolvessem uma cura. Até então, milhares morreram, minha mãe entre eles.
Com ela fora do caminho, não havia mais barreira entre meu pai e eu, e sua rejeição se transformou em ódio absoluto.
Eu me perguntei repetidamente o que havia de tão errado comigo. Será que eu tinha feito algo quando criança de que não conseguia me lembrar? O que poderia me tornar tão repugnante para ele?
Eu tentei consertar as coisas. Me comportei da melhor maneira possível e segui suas regras, mas nada jamais foi suficiente. Havia algo em mim que o enfurecia.
A mesma coisa com meus irmãos.
Eu sentia tanta falta de Messiah e Maddox que meu coração doía. Nós não tínhamos feito nada além de nos divertir juntos enquanto crescíamos. Então, um dia, do nada, eles se voltaram contra mim, e todas aquelas memórias felizes se tornaram cinzas. Eles até convenceram o pai de que eu não precisava ir à escola, prendendo-me nesta casa com ele.
Na maior parte do tempo, eu estava trancada nesse quarto pequeno e escuro. Não tinha nem janela nem armário. A única vantagem era um pequeno banheiro anêxo, apenas com pia e vaso sanitário, mas o suficiente para me virar. Uma vez por semana, o pai me permitia tomar banho no quarto de hóspedes. Eu não podia usar água quente e não podia demorar mais de dez minutos, mas ainda era algo divino poder lavar a sujeira e o sangue.
Quando ele me deu a ordem de me mudar para esse buraco escuro, observou enquanto eu arrumava minhas roupas, sapatos e travesseiro, depois disse que era tudo do que eu precisava. Com o tempo, eu contrabandeei alguns confortos. Sr. Cenoura, meu coelho de pelúcia, que milagrosamente consegui esconder dele. Um cobertor. Um tapete de yoga para dormir em cima. Uma vez, tentei contrabandear uma pequena luminária, mas ele me pegou. Aquele castigo levou duas semanas inteiras para que minha loba se recuperasse.
Todos os dias, o pai me deixava sair por algumas horas para limpar, cozinhar e lavar a roupa. Apesar das tarefas, eu valorizava aquele tempo fora do meu quarto. Pelo menos me dava a chance de olhar pela janela. Não importava o que o tempo estivesse fazendo, eu achava a vista perfeita. Era a única alegria na minha vida.
Eu não conseguia me lembrar da última vez que fui para fora. A última vez que respirei ar fresco ou corri pela floresta e senti o aroma da terra e das plantas crescendo. Senti a brisa no meu rosto. Deitei na grama. Aproveitei o calor do sol.
Coisas simples todas negadas a mim por uma razão que eu não conseguia adivinhar. Coisas simples pelas quais eu ansiava com todo o meu coração.
Especialmente quando a minha loba dormia.
Eu não sentia a Peyton se mexendo há semanas, não desde a última dose de acônito que o Pai tinha administrado. O acônito levava ao sono a loba interior de um metamorfo, embora em excesso pudesse ser fatal. Eu tinha desenvolvido uma tolerância a ele, e o Pai tinha que ajustar constantemente quanto dar à Peyton para mantê-la dócil, mas ainda capaz de me curar.
A última dose, no entanto, tinha sido parte de um castigo depois que tentamos fugir. Ele não matou minha loba, mas chegou perto. Muito perto. Tentei encontrar algumas belladonna ou dedaleira para contrapor o acônito, mas não tive sorte. Semanas depois, ela continuava em coma.
Pobre Peyton. Eu sentia pena dela por estar presa comigo. Ela era tão forte e persistiu muito tempo depois que a maioria das lobas teria enlouquecido ou retrocedido para a Deusa. Ela se manteve esperançosa com duas expectativas: ser livre do Pai e encontrar nosso companheiro.
Eu não desmoronei sua otimismo, embora soubesse que nenhum dos dois jamais aconteceria. O Pai nunca nos deixaria sair de sob seu polegar e mesmo que encontrássemos nosso companheiro, ele me rejeitaria num piscar de olhos. O Pai tinha garantido isso.
Eu tinha cicatrizes sobre cicatrizes e hematomas sobre hematomas. Minhas mãos tremiam o tempo todo e minha visão era estreita e escura nas bordas. Tendo sido negada comida por semanas seguidas, eu estava esquelética e fraca, e o mundo girava a cada passo que eu dava.
A verdade simples era que eu duvidava que conseguiria viver para ver outro aniversário, muito menos conquistar minha liberdade ou encontrar meu companheiro.
Mas o que importava? Quem se importaria? Eu não tinha matilha. Não tinha família. Não tinha companheiro. Nem mesmo minha loba no momento.
Eu estava sozinha na escuridão, e a morte era a única fuga que eu poderia esperar.