Só uma pessoa inconsequente teria coragem de olhar o Alfa Jackson nos olhos enquanto ele fala. Ninguém ousa interrompê-lo – e, se você fosse uma garota ômega chamada Yolanda, era melhor se esconder. Aprendi essas lições cedo na vida. Eu sabia que não devia levantar os olhos, que não podia fazer barulho e que deveria passar despercebida no meio dos convidados que enchiam o salão para celebrar a Festa da Lua.
Mas eu nunca fazia nada certo. Quando me pediam para dar um passo à esquerda, eu ia acabava à direita, tendo ou não dado um passo para a esquerda. Tudo parecia funcionar ao reverso para mim. Se eu semeava o bem, só colhia desgraças.
Foi por isso que, ao servir os convidados andando de cabeça baixa, tentando parecer menor do que eu já era, acabei tropeçando. A bandeja de vinho voou da minha mão e caiu no chão, fazendo com que aquele líquido vermelho caísse sobre a filha do Alfa bem no meio do discurso do pai. Quando levantei a cabeça, notei o olhar de Alfa Jackson e, naquele momento, quebrei as três regras fundamentais da discrição.
Naquele momento – quando fiz contato visual com o Alfa e selei meu destino –, Krystal, a filha dele, soltou um grito de fazer gelar o sangue. Era como se ela tivesse levado um tempo para processar o que eu tinha feito. Eu havia derramado um vinho caro em seu vestido mais caro ainda, branco e longo até o chão.
Ela deu um tapa na minha cabeça enquanto um pedido de desculpas saía dos meus lábios. Depois outro tapa, e mais um… Ela continuou me batendo enquanto os convidados apenas observavam, inconformados com o que eu tinha feito, até que o Alfa limpou a garganta e pediu silêncio.
"Já chega, Krystal." O Alfa Jackson olhou para mim enquanto se dirigia à filha, com seus olhos tomados por um ódio profundo. Engoli em seco, levando as mãos às bochechas, que, àquela altura, ardiam de dor.
"Não chega, não! Essa v*gabunda estragou meu vestido!”, exclamou Krystal, elevando sua doce voz de soprano enquanto me batia pela última vez. "Por que você tem tanta inveja de mim, hein?", ela gritou mais uma vez, atraindo a atenção de todos de volta para a cena, apesar do pedido de ordem do Alfa.
"Eu não tenho", respondi, sussurrando, com as mãos tremendo.
Meus olhos arderam por tentar segurar as lágrimas, fazendo com que tudo parecesse borrado. Eu não queria chorar – pelo menos não ali. Eu me sentiria ainda mais humilhada se desabasse naquele momento. Eu disse a mim mesma que precisava esperar – esperar que eles me levassem para o meu castigo, quando eu sabia que eles me dariam um bom motivo para chorar. Mas eu não fui forte o suficiente. Meus lábios tremeram enquanto lágrimas escorriam pelo meu rosto. Pisquei rapidamente para tentar eliminá-las, mas, quanto mais eu piscava, mais rápido elas caíam.
O Alfa Jackson sinalizou algo para umas pessoas que estavam atrás de mim, enquanto sua filha saía batendo o pé, empurrando quem estivesse no caminho. Dois homens me agarraram por trás e me arrastaram para fora do salão. Olhei para as poucas pessoas que ainda assistiam ao desenrolar daquela cena enquanto o Alfa voltava ao seu discurso, com a mandíbula contraída. Das pessoas que estavam me observando, apenas uma olhou para mim com algum sentimento além de desprezo, enquanto os capangas me arrastavam para longe.
Eles me jogaram no porão, trancando a porta antes de saírem. O porão da casa da matilha servia como lavanderia para todos os membros, como depósito para as tranqueiras da casa e também como meu quarto. Eu tinha separado um espacinho para mim depois de passar tantos anos ali. Era lá que eu dormia, e tudo que eu tinha – uma única bolsa – estava naquele quarto. Nos dias que eu tinha o que comer, era lá que eu fazia minhas refeições; quando não havia comida, também era lá que eu tentava aplacar minha fome.
Eu não me importava tanto de ficar trancada lá embaixo; o problema era não saber quanto tempo eu ficaria presa e se alguém se lembraria de me levar comida. Há alguns meses, eles me deixaram duas semanas trancada no porão e, em algum momento desse período, meu suprimento de comida foi cortado. Passei fome por alguns dias, mas, lá embaixo, naquele porão frio e úmido da casa da matilha, o tempo parece relativo. Posso ter passado fome por uma semana ou um dia, não sei ao certo.
A maçaneta da porta balançou, indicando que alguém tentava entrar. Aquela porta sempre emperrava, e era necessário muita força bruta para abri-la. Quando finalmente foi aberta, Krystal entrou, junto com o irmão e o namorado, todos estampando sorrisos maliciosos em seus rostos. Seu irmão começou a mexer no cinto assim que eles fecharam a porta.
"É hora de pagar pelo que você fez", disse Krystal. Ela havia tirado o vestido manchado e colocado um short preto camuflado e uma camiseta preta de mangas compridas.
O Alfa Eason, futuro líder da nossa matilha, me puxou para fora da cama, mas ele nem precisava ter feito isso. Eu sabia de cor e salteado o que deveria fazer. Coloquei as mãos em um banquinho quebrado e fiquei de de costas para eles.
"Venha segurá-la, Tom", pediu Eason.
“Não precisa me segurar”, eu murmurei. Minha cabeça girou com o golpe que Eason desferiu.
"Cale a boca!", exclamou o beta Tom.
"Eu não vou lutar." A pior parte de levar uma surra era ter Tom me segurando. Eu aprendi a suportar a dor sem tentar fugir, como faziam os outros ômegas, porque sabia que, quando Tom estava junto, a dor seria extrema. Ele gostava de enforcar – e tentar respirar com um cinto em volta do pescoço não era nada fácil
"Ah, sério?" Uma mão musculosa agarrou minha mandíbula com tudo, forçando-me a olhar para aqueles olhos negros e frios. Todos da Matilha Dark Lake me odiavam, mas Tom me odiava mais do que todo mundo junto – e, por isso, gostava de se dedicar a formular diferentes maneiras de me torturar e me fazer desejar nunca ter nascido.
“Então, tire a roupa!” Eu paralisei. Lágrimas rolaram dos meus olhos quando eu pisquei. Eu não esperava chorar, mas minha reação fez Eason gargalhar.
"O… o quê?" Sequei minhas bochechas enquanto o futuro Alfa continuava rindo. O fato de eu não lutar não significava que eu aceitaria ser humilhada daquela maneira.
“Que merda é essa, Tom? Ah, então você quer ela pelada, é?", gritou Krystal, que estava atrás de nós. Eu me afastei, e as mãos de Tom atingiram meu rosto.
"Querida…" Mas o grito dele interrompeu o tom suave do namorado.
“Não venha com 'querida' pra cima de mim! Segure-a de uma vez e vamos acabar logo com isso!" O ciúme de Krystal me salvou da humilhação, mas deixou Tom ainda mais furioso. Ele forçou meu rosto no banquinho, apertando meu pescoço com uma mão e prendendo meus punhos com a outra.
O cinto de Eason atingiu minhas costas com força, fazendo com que eu perdesse o ar. Fiquei com a respiração presa na garganta enquanto Tom me segurava. O cinto me alvejou novamente, e Tom continuava a me enforcar. No terceiro golpe, não consegui mais ficar calada. Palavras sufocadas saíram da minha boca ao mesmo tempo que lágrimas caíam dos meus olhos. Minha loba choramingou – a dor física chegava até ela enquanto eles me batiam
“Chega”, ordenou Krystal. Mas Eason não parou imediatamente. Ele me deu mais uma cintada após o comando de Krystal. Eu estava tão destruída que não conseguia gritar, nem me debater, nem implorar por misericórdia, nem lutar. Eles me subjugaram e fizeram comigo o que bem entenderam.
Mesmo depois de Tom me soltar, não consegui me levantar da mesa sobre a qual eles me curvaram. Meu corpo deslizou para o chão quando minhas pernas trêmulas não conseguiram me segurar por muito mais tempo.
Minhas costas ardiam, minha garganta estava em carne viva e meus olhos, inchados. Eu puxei o ar agora que eu finalmente estava livre para respirar, enquanto Eason colocava o cinto de volta e Tom enxugava as mãos nos meus lençóis.
“Da próxima vez, quando você quiser dar uma de atrapalhada de novo, é melhor que eu não esteja por perto.” As palavras de Krystal vieram de longe, ecoando baixinho em meus ouvidos. “Além de burra, você é uma inútil. Vê se fica na sua daqui pra frente”, ela completou.
“E pensar que eles tentaram assumir o controle”, debochou Eason, com uma risada alta e desagradável. Eu me encolhi o máximo que pude, sentindo as lágrimas escorrendo em meus ouvidos pelo jeito que eu me deitei.
“Ela sempre quis tudo que é meu. Coisinha nojenta!", exclamou Krystal, estalando a língua. “Ela merece outra surra só por me trazer lembranças ruins.” Fechei os olhos com força. Eu não sobreviveria a outra surra. Tinha certeza que não.
“Ela não aguentaria outra surra agora. Olhe só para ela”, zombou Tom. “Ela não merece uma morte simples assim.”
Eu não merecia nada daquilo. Por que eles me faziam pagar pelos pecados dos meus pais? Eu não tinha nada a ver com aquilo!
Aquela surra foi pelo meu desrespeito com Krystal. Como eu iria aguentar a ira do Alfa quando chegasse a vez dele? Afinal, eu interrompi seu discurso e ainda ousei olhá-lo nos olhos.
“Fique aí, sua miserável”, murmurou Krystal, antes de chutar com força a lateral da minha cabeça com a bota, me deixando inconsciente.
‘Talvez hoje seja o dia em que eu morra.’ Esse foi meu último pensamento antes de tudo escurecer.