Era fim de tarde e a brisa fria do vento batia com delicadeza contra os cabelos lisos e escuros de Emma Foster.
Voltando de mais um dia de aula, Emma tinha seus fones de ouvido conectados ao celular e por vezes ela brincava com os dedos, fechando os olhos e se deixando imaginar enquanto escutava a nona sinfonia de Chopin, memorizando cada nota que ouvia a fim de reproduzi-la quando tivesse chance.
O que acontecia era que Emma era estudante de música, e aquilo até então era sua verdadeira paixão.
De todos os instrumentos, o piano era o seu favorito. Ela adorava a sensação de se sentir em outro mundo quando as pontas de seus dedos reproduziam notas suaves dando início a uma melodia diferente sempre. E isso fazia sua imaginação se abrir. Porém, os estudos, o trabalho de meio período enquanto não conseguia nada melhor e outras tantas responsabilidades que existiam ao seu redor, a impediam de praticar e tocar como de fato queria.
Mas ouvir e reproduzir era um talento que poucos tinham, mas que, felizmente, pertencia especialmente à Emma e por isso ela ouvia e imaginava que era ela a produzir aquele som.
Ela apenas ouvia e sozinha aprendia cada nota.
Entretanto, enquanto ainda se mantinha alheia ouvindo a sinfonia, Emma dobrou numa rua mais apertada e vazia que ela sempre passava para encurtar o caminho até a própria casa, e teve a melodia do piano que reproduzia em seus fones interrompida quando seus ouvidos captaram um novo som.
Assustada, Emma freou os passos e retirou os fones vagarosamente, arregalando os olhos ao perceber a movimentação bem a sua frente.
Ouviu gritos de ameaças e logo em seguida viu homens correndo atrás de um único outro homem que logo em seguida caiu no chão, recebendo chutes e socos de todos os outros.
Aquilo fez o coração de Emma instantaneamente acelerar e a deixou inquieta. Sentiu medo, estava petrificada, mas quis reagir.
Ela deveria reagir.
Permitir que tantos homens batessem em apenas um era desumano.
ㅡ O que eu faço? ㅡ ela perguntou a si mesma, se escondendo atrás de uma parede.
Os homens batiam no outro com ódio, pareciam querer matá-lo.
Emma então olhou ao redor, não havia ninguém, somente ela estava ali.
Então, tomada por uma súbita coragem que ainda fazia suas pernas tremerem, a garota respirou fundo, fechando os punhos e os olhos quando simplesmente gritou a todos os pulmões:
ㅡ Polícia! Polícia, por favor, são aqueles vândalos ali. Prendam eles!
Alguns homens pararam, olharam ao redor e franziram o cenho.
ㅡ Ai, meu Deus! ㅡ Emma já sentia o desejo de chorar, mas buscou o celular, desconectando os fones quando entrou no aplicativo do YouTube. ㅡ é isso ou nada! Universo, me proteja, por favor. ㅡ ela fechou os olhos antes de pôr o celular no volume maior e simplesmente abrir um vídeo qualquer com sons de sirene de polícia.
Era uma ideia tosca? Emma sabia, mas no momento do desespero, aquilo foi tudo o que lhe restou.
Novamente os homens olharam ao redor, mas se atentaram quando outra movimentação se fez presente e o som de tiros foi ouvido há alguns metros dali.
Emma se encolheu ainda mais, largando o celular para cobrir os ouvidos ao se abaixar completamente.
ㅡ Polícia, alguém chame a polícia! ㅡ ela gritou novamente, desesperada.
Os homens sequer sabiam de onde realmente vinha aquela voz feminina, mas não quiseram arriscar quando ouviram-na gritar novamente, enquanto os sons de tiros se tornavam cada vez mais audíveis.
Correram, fugiram com medo de serem presos ou mortos, deixando o homem caído no chão em meio ao seu próprio sangue enquanto ainda agonizava.
E quando enfim ouviu os tiros cessarem, o corpo de Emma caiu no chão. Sua mão repousou sobre o peito, o coração da garota estava a mil.
Ela pensou em também correr, fugir dali antes que mais homens aparecessem, mas além de suas pernas ainda estarem trêmulas, seu bom coração não a fazia simplesmente deixar uma pessoa para trás naquelas condições, sem ao menos saber se estava viva ou não quando apenas ela estava ali outra vez.
Respirou fundo quando se aproximou incerta, com medo de que aquele homem já estivesse até mesmo morto, mas o ouviu tossir e sentiu um alívio instantâneo. O homem cuspiu sangue e se assustou quando notou Emma próxima de seu corpo.
As mãos do homem tremeram, ele tentou buscar a arma, mas gemeu de dor quando se moveu e um queimor tomou sua costela esquerda. Emma se assustou com o fato do homem estar sentindo muita dor, ela deveria prever, mas ainda assim era assustador de ver e ouvir.
Mas o homem parecia não se importar até mesmo com a própria dor. Ele quis se erguer mesmo fraco, mas caiu novamente no chão, gemendo de dor.
ㅡ Tenha cuidado. ㅡ Emma pediu sem pensar, abaixando-se quando ele tentou se erguer novamente. ㅡ eu não vou te machucar, eu juro.
O homem negava, parecia desnorteado, mas Emma se atreveu e tocou sobre o rosto dele, fazendo-o enfim parar de se mexer.
ㅡ Você tá muito machucado, acho que deve ter quebrado alguma coisa. ㅡ ela disse.
Com os olhos embaçados com o sangue que escorria de seu supercílio cortado, ficava difícil de vê-la, mas ainda assim, ele tentava.
A voz de Emma era doce, talvez a aparência fosse bela.
O homem respirou fundo quando enfim deitou no chão e tocou sobre as costelas. Emma ainda estava preocupada com ele, viu-o erguer os olhos com muita dificuldade e sem ainda conhecer a mulher a sua frente, o ouviu tentando lhe agradecer.
ㅡ Não precisa agradecer. ㅡ ela disse, sorrindo.
ㅡ Por favor... ㅡ ele pediu baixo, tossindo novamente. ㅡ me tire daqui. É perigoso.
ㅡ Eu? Mas... como? Posso ligar para uma ambulância, mas é tudo o que posso fazer.
ㅡ Não, sem hospitais. ㅡ ele disse, piscando os olhos com dificuldade.
Emma buscou de sua bolsa um pequeno lenço rosa. Atreveu-se a tocá-lo e com o lenço limpou os olhos do homem que ainda estavam cheios de sangue.
E como se acontecesse um milagre, o homem abriu os olhos no máximo, notando-a finalmente, fazendo-a também notar seus olhos azuis como o mais belo mar.
ㅡ Por favor... ㅡ ele pediu novamente.
Emma não sabia o que fazer, mas quis ajudá-lo. Estava embevecida com os olhos do homem, mas o tocou com medo, tentando erguê-lo. O homem era pesado, o que a fez gemer baixo devido ao esforço que usou, mas ela sequer conseguiu o tirar do lugar.
Pensou em chamar ajuda de qualquer transeunte, mas se atentou quando ouviu passos se aproximando de onde estavam e se pôs de pé em alerta, vendo dois homens com armas nas mãos pararem em frente de onde estavam.
ㅡ Não me matem! ㅡ ela pediu, erguendo as mãos em rendição, era puro instinto e ainda estava tremendo.
Não conseguiria correr dali sequer se quisesse enquanto as armas que reluziam em prata ao encontrar com os raios do sol, estavam bem a sua frente.
Os homens se entreolharam e a olharam em seguida.
ㅡ Quem é você? ㅡ um deles ergueu a arma, fazendo Emma se assustar ainda mais.
ㅡ M-Meu nome é Emma Foster, eu... eu sou estudante. ㅡ ela mostrou a bolsa, como se mudasse qualquer coisa. ㅡ eu não tenho nada a ver com ele. Eu juro, só estava tentando ajudar.
ㅡ Ajudar? ㅡ o outro homem perguntou, se aproximando sem apontar a arma. ㅡ por quê? O que você ganha com isso?
Emma piscou incerta, o homem era alto, tinha um bigode estranho, mas era jovem.
ㅡ Nada. ㅡ ela disse, rapidamente. ㅡ eu juro.
ㅡ A deixem em paz, seus idiotas. ㅡ o homem machucado, disse.
Rapidamente o que segurava a arma em direção a Emma, se abaixou.
ㅡ Chefe, você tá bem? ㅡ ele perguntou guardando a arma.
Emma o viu erguer o homem com facilidade, dando-lhe apoio para não cair. Enquanto isso, o outro, que ainda a olhava, vagarosamente guardou a arma e se aproximou um pouco mais, agradecendo-a.
ㅡ Obrigado por salvar o chefe.
Emma sorriu torto outra vez e assentiu, ainda encolhida, incapaz de formar uma resposta verbal.
ㅡ Chefe, a gente quase pegou aqueles desgraçados! Mas aqueles filhos da puta foram mais rápidos. ㅡ o que segurava o homem, disse.
ㅡ Está tudo bem.
ㅡ Não está bem, chefe. Seu rosto está completamente machucado.
ㅡ Eu já estive pior. ㅡ ele riu da própria situação.
ㅡ Me deixe ajudar. ㅡ o homem que agradeceu a Emma, buscou um novo lenço do bolso da camisa que usava e tentou se aproximar, mas ouviu o chiado do outro e rapidamente parou.
ㅡ Ela já fez isso. ㅡ ele apontou.
ㅡ Quem é ela?
ㅡ Porque ela te ajudou, chefe?
ㅡ Porque ela é boa. ㅡ o homem machucado, disse, sorrindo para Emma.
A garota respirou fundo, talvez aqueles homens a deixassem ir em paz, mas ela ainda pensava em correr e fugir, bastava apenas suas pernas trêmulas obedecer.
Com um acenar leve com a cabeça, o chefe deu ordem ao seu subordinado para se aproximar de Emma. O homem a fez dar um passo para trás ainda intimidada quando caminhou em sua direção, mas antes que a mulher ficasse mais assustada, ele buscou a carteira em seu bolso e a abriu, retirando de lá cerca de vinte notas de cem dólares.
ㅡ Obrigado. ㅡ ele pediu novamente, desta vez erguendo o dinheiro para a Foster.
Emma nunca havia visto tanto dinheiro como naquele instante. Mas ela negou, olhando para os olhos escuros daquele homem, Emma negou e disse:
ㅡ Não fiz nada de mais, não precisa disso.
ㅡ Claro que fez, você salvou a vida do chefe. ㅡ o homem balançou as notas. ㅡ pegue de uma vez.
ㅡ Não, obrigada. ㅡ Emma enfim conseguiu sentir as pernas um pouco mais firmes quando se virou para voltar todo o caminho que já havia feito.
Rezou para que aqueles homens não atirassem por suas costas, estava pálida pelo que havia passado e só pensava em ir para o mais longe que pudesse daquele beco.
ㅡ Hey! ㅡ o chefe a chamou. ㅡ Pietro, faça algo! ㅡ ele mandou para o homem que segurava as notas.
ㅡ Mas o que posso fazer, chefe? Alguma ideia, Ramon?
ㅡ Você é mesmo um estúpido. ㅡ o tal Ramon disse. ㅡ pare já aí ou eu vou atirar em você! ㅡ ele gritou.
Naquele instante, os olhos de Emma saltaram e seu medo retornou. O que deveria pará-la, a impulsionou a correr e vê-la tão desesperada, fez Pietro rir.
ㅡ Que garota estúpida! ㅡ ele disse, devolvendo as notas para a carteira. ㅡ Vamos logo embora, aqueles gambás podem voltar.
Ele chamou, mas o homem conhecido como o chefe, negou.
ㅡ Não.
ㅡ Não? ㅡ Pietro perguntou, confuso. ㅡ por que não?
ㅡ Porque agora você tem uma única missão.
ㅡ Que é...?
Ramon sorriu ladino, olhando para a face do parceiro quando o chefe lhe disse:
ㅡ Ache a garota.