BENJAMIN
São Luís, janeiro de 2013.
Eu estava ofegante. Não sabia se era ódio ou tristeza. Tentei buscar na
mente fatos que pudessem me acalmar. Boas lembranças que pudessem me
colocar nos eixos. Eu tinha medo de ter um surto novamente, como quando
eu era adolescente.
Ainda de cabeça baixa, tampando o rosto com as mãos, ouvia a voz do
meu pai, e, mesmo que ele estivesse apenas querendo me ajudar, eu tinha
raiva porque eu preferia viver feliz, de olhos vendados, do que ter sido
alertado dessa forma e cair no fundo do poço. Passei tanto tempo buscando
um significado na vida e, quando enfim, havia encontrado...
A minha namorada, Danielle, a mulher que julguei ser minha alma
gêmea, só queria a porra do dinheiro da minha família.
— Filho, eu te alertei sobre essa gente. — Meu pai se sentou ao meu
lado. — Mas não te culpo, você foi enfeitiçado. Agora sabe que tipo de
mulher é ela.
Não havia como contestar. Ele me mostrou as câmeras de segurança em
que Danielle aparece entrando no escritório da presidência da Capello,
sentando-se diante de meu pai e do advogado e, após conversarem, ela assina
um papel. As cópias dos papéis que meu pai me mostrou, e que eu rasguei de
fúria, eram taxativas: ela assinou um termo preferindo uma quantia alta a
ficar comigo.
— Você ofereceu a porra do dinheiro.
— Não. Acredite em seu pai. Eu pedi para ela se afastar de você, e ela
me propôs isso. Você viu o documento que ela assinou, acha que se ela te
amasse, iria fazer uma pouca vergonha dessa? — Ele se aproximou mais de
mim no sofá e acariciou meu ombro. — Meu filho, eu fico de coração partido
de te ver assim, mas foi necessário eu te mostrar quem era ela.
Assenti para ele e fechei os olhos gostando de ter meu pai tão perto e
sendo gentil comigo. O abracei e depois fiquei de pé.
— Obrigado pai — falei e saí rápido da sala dele. No meu celular,
procurei o número de uma antiga parceira de noitadas, apertei em chamar e
fui para a sala de espera.
***
DIANA
Se eu fosse um dragão, estava agora mesmo incendiando o prédio do
filho da puta. Na verdade, acho até que saía fumaça do meu nariz. Andando
de um lado para o outro, esperava o maldito descer, o porteiro não me deixou
subir e havia interfonado avisando sobre minha presença.
Eu ainda não acreditava que ele tinha feito aquela merda com minha
irmã. Ela estava ameaçando sumir no mundo, angustiada e sofrendo, depois
que foi visitá-lo e viu, com os próprios olhos, Benjamin transado,
ensandecido, com outra mulher em sua própria cama. Minha irmã estava
devastada. Ela não fazia mal a uma mosca, não tinha malícia alguma, e eu
vivia para protegê-la do mundo e de seres asquerosos como Benjamin.
Assim que ele saiu do elevador, sua expressão era de deboche. Eu voei
sobre ele.
— Seu desgraçado! — Acertei-lhe um tapa, mas ele se defendeu dos
outros. Meu corpo todo tremia, e a visão estava turva. — O dia que você
sonhar em chegar perto da minha irmã, eu te mato!
— Ah, então a golpista mandou a irmã para se defender? — ironizou.
— Não ouse falar assim dela. — Ele era bem alto e magro, mesmo
assim, eu o estava confrontando, com o dedo apontando bem no nariz dele.
— Você não vale o chão que ela pisa. Eu só vim te dar a porra do recado e
isso daqui. — Meti com toda força, na cara dele, a aliança de compromisso
que ela tirou e me deu para trazer.
***
DIANA
São Luís, setembro de 2013.
Saí correndo do taxi em meio à chuva fina, assim que vi Benjamin
chegar com a família dele. Seguranças se adiantaram com guarda-chuvas,
para eles não molharem. Era uma festa de gala, todos muito bem vestidos,
sorrindo para as câmeras de eufóricos fotógrafos.
— Benjamin! — gritei, e ele virou-se na hora. Tinha passado tanto
tempo, oito meses que não nos víamos. Minha irmã entrara em estado
decadente de depressão, e eu tive que deixar o emprego para cuidar dela e
vigiá-la dia e noite. Eu parecia uma pedinte diante de tanto luxo à minha
frente. Os olhos de Stela me analisaram com pena.
— O que você quer? — Benjamin se mostrou rude no mesmo instante, e
eu não o culpava, afinal, eu tinha batido na cara dele. — O dinheiro que meu
pai deu já acabou? — Apesar da pergunta irônica, senti que era verdadeira a
vontade dele de saber sobre aquilo.
Eu tinha um orgulho do tamanho do Maranhão e não estaria aqui
mesmo se essa não fosse minha última opção. E Benjamin tinha sim o dever
de ajudar.
— O quê? Que dinheiro? — Passei os olhos por cada um deles. —
Eu...a Dani precisa de sua ajuda.
— Leve ele. — O velho João Capello falou para a irmã de Benjamin.
— Não. Eu quero ouvir o que essa mulher tem a dizer.
— Filho, não nesse momento, a imprensa está toda aí. Olha só para ela.
Uma desclassificada que quer mais dinheiro.
Eu estava prestes a atacar o velho e mandar a humildade para a puta que
pariu. Ele fitou meus olhos e questionou:
— Não é isso, senhorita?
Engoli em seco. Sim, eu precisava de dinheiro. Não queria dar o braço a
torcer, queria dizer para ele enfiar tudo no rabo, mas então lembrei da minha
irmã. Limpei uma lágrima de humilhação e assenti.
— Sim. Preciso de ajuda financeira. Dani está no hospital e ela
precisa...
— Vocês me dão asco — Benjamin grunhiu. — Por um momento
pensei que você diria que não queria o dinheiro do meu pai. — Ele aceitou
que a irmã o guiasse para dentro e apenas o velho ficou me olhando com nojo
explicito no olhar.
— Entra no carro — ele falou e entrou sem esperar o segurança abrir a
porta para ele. Corajosa, entrei pelo outro lado. O velho nem me olhou, e
disse:
— Me conte do que você precisa para não cruzar mais o caminho do
meu filho.
***
BENJAMIN
São Luís, 01 de janeiro de 2014.
Era réveillon, estávamos todos reunidos na mansão do meu pai. Eu,
enfim, me sentia feliz e realizado depois de um ano de sofrimento, por ter
sido enganado pela mulher que um dia eu quis dar o céu. Longas sessões de
terapia estavam me fazendo esquecê-la, e a pintura era minha melhor aliada,
mesmo meu pai reprovando minha escolha. Ele não precisava saber.
Caminhei com meu pai e Fernando para a sala de visitas, distante da
festa na área externa. Não imaginava o que ele queria comigo, mas supus
que era sobre a empresa, já que ele chamou Fernando também.
Ele não se sentou. Andou até uma janela e olhou a festa lá embaixo.
— Benjamin, quero que saiba que tudo que fiz, todas as decisões que
tomei, sempre foram para o bem dos meus filhos.
— Sim, pai. Eu sei.
— Espero que seja maduro para entender o que vou te falar. Meu velho
amigo, o padre Damião, me aconselhou a aparar as arestas. — Eu e Fernando
nos entreolhamos sem entender — Um novo ano se inicia, não sei o que será
de mim mais para frente então quero deixar tudo em pratos limpos.
— Estou ouvindo, pai.
— É sobre aquela garota. — Ele, enfim, me encarou.
— Que garota?
— A Cristóvão. Eu tramei tudo para acabar com seu relacionamento. Eu
não queria ela inserida na minha família. Quando eu a chamei no meu
escritório, eu fiz uma proposta alta... Mas ela...
— Mas que porra está falando? — Fiquei de pé, e Fernando se colocou
entre a gente. Eu prendia a respiração e os pensamentos explodiam em
desespero na minha cabeça.
— Calma, eu fiz isso pelo seu bem. Eu menti para você, mas depois ela
voltou a me procurar...
Eu nem precisei escutar tudo. Meu pai estava meio pálido, e eu sabia
que a verdade era que Dani nunca tinha assinado nada querendo dinheiro. Eu
podia ver nos olhos dele que tudo não tinha passado de uma mentira.
Agora eu entendia por que ele chamou Fernando para a conversa,
porque precisava de alguém para me segurar. Era meu pai, mas, naquela
noite, eu gritava mais alto que o barulho dos fogos de artifício mais cedo,
tentando acertar um soco nele. Ele se calou e se encolheu no canto, disposto a
não falar mais nada. Tudo tinha ficado subentendido. Fernando precisou da
ajuda de Thadeo, que me arrastou para o quarto, sob os olhos espantados dos
convidados, que vieram após ouvir os gritos.
Meu pai nem teve dignidade de terminar de falar. Apenas disse que eu
não estava pronto para ouvir. A única coisa que eu sabia era que ele tinha
armado e destruído a única coisa boa que eu tinha vivido nos últimos anos.